26.5.13

Prosa: Panorâmica das conversas ao telefone, II

- Pronto.

- Oooooooiiiiii-mor-zin ....

Você já sabe. Vai demorar.

...

- Oi, querida. Tudo bem?

- Ai-querido-você-não-sabe-o-que-me-aconteceu-hoje ...

Xi ... vai demorar mesmo.
...

- Ótimo que seja assim, meu anjo - fala então o que é que ...

- Ai-querido-foi-a-Mariane. A-gente-tava-no-serviço-fazendo-mais-um-relatório-daqueles-malucos-que-a-chefe-SEMPRE-pede-quando-tem-problema-de-checagem-de-conta. Ai-ela-pediu-aquele-relatório-e-a-coitada-errou-TUDO !!! Você-nem-imagina:ela-com-cara-de-trouxa-e-a-gente-tendo-que-correr-para-ver-o-que-é-que-tava-errado-e-o-que-que-não-batia ... 

... e-a-chefe-lá-SEMPRE-com-aquela-cara-amarrada ...

E assim segue pela próxima meia hora, com pausas para um "sim, querida", ou um "não, querida", e quando você, num lapso pequeno de tempo, boceja ...

- O que foi isso?

- Ah??? Nada, não, amor, é que ...


...

- EU SABIA!!! Você-não-estava-ouvindo-nada-do-que-eu-estava-falando-seu ... seu ... seu ... SEU INSENSÍVEL !!! BUAAAAAAA ....

...

E toca mais meia hora de "não, querida, não é isso, você se enganou" ... e é nessas horas que você mostra que sabia alguma coisa do que ela falava mesmo, que a tal da Mariane era mesmo uma banana, que ela toca o serviço nas costas, que (sim, claro) você ama muito ela e coisa e tal e coisa e lousa e maripousa (como diria o antigo cronista) ...

... até que ela, finalmente, se acalma.

Ufa!

...

Quinze minutos depois, já estamos perto do final da estória:

- Ah, querido, vou-desligar-agora ... mas-tô-cum-tanta-saudade-docê ...

- Ummm ... lindinha, vem cá cum seu nenezão ... 

 (pausa para reflexão: porque todo homem cisma em age como bebê diante do "môzin"? nunca entendi essa ...)

- Tá-bom-morê. Beijinhu ...

Ela desliga, do lado de lá. E você, do lado de cá, suspira.

E não sabe exatamente se é de alívio ou se é mesmo por causa de uma pequena pontada de saudade ....

fps , 28/08/02, 16:51
(ligeiramente ajustado para 2012)

23.5.13

Poesia

O sonho desfeito.
 
O choro contido,
o desespero.
 
A dor que não para,
a falta de sentido da vida.
 
A vontade de sumir
de beber formicida,
de fazer uma besteira.
 
Tudo isso,
 
tudo, tudo, tudo,
 
tudo um dia passa.
 
E sempre há um remédio,
 
Ainda que não tenha olhos azuis
e um sorriso gostoso ...
 
fps, 19/06/2012, 14:20

19.5.13

O sonho e o roubo: Dimenstein e a Virada Cultural de 2013

Uma teoria particular minha diz que não são os políticos os grandes inimigos do Brasil, mas sim os jornalistas e teóricos que inventam um país ideal mas não pensam se a população realmente topará transformar as cidades caóticas em "cidades-modelo" pacificamente. 

No caso de São Paulo, especificamente, isso significa impor aos cidadãos daqui por querer para os paulistanos um sonho que a grande maioria despreza, o de uma cidade-modelo como as grandes capitais europeias misturadas com Bogotá e as experiências que, por essas bandas, só serviram para cansar o cidadão comum, atrapalhar (mais ainda) o tráfego comprovar que política no Brasil é cada vez mais feita em laboratórios que nada tem a ver com a realidade de sacolinhas plásticas e domésticas de meio período.

Prova disso são as duas matérias abaixo, antes e depois da Virada Cultural, onde Gilberto Dimenstein, um dos mais representantes desses pseudo-teóricos, teve seu celular furtado, mas não perdeu a esperança de que surja a "cidade perfeita".

Dos sonhos dele, claro.
18/05/2013 - 08h29 (antes)

São Paulo é hoje dos meus sonhos


É pouco tempo, quase nada, apenas 24 horas. Mas, neste final de semana, São Paulo é a cidade dos meus sonhos.

A Virada Cultural - o momento mais interessante paulistano - sintetiza o que imagino ser uma cidade civilizada.

Cidade civilizada é as pessoas ocuparem as ruas e vivam a criatividade.

Não é a cidade dos muros, dos crachás, dos condomínios, dos vidros blindados. Mas da convivência intermediada pelo conhecimento.

A Virada Cultural é quando a criatividade paulistana, encalacrada, sai para fora, mostra sua exuberância.

E acena para que o poderíamos ser caso não fôssemos vítimas de tanta incompetência por tantos anos..

Se tivéssemos prefeitos mais preocupados em abrir espaços para pedestres do que para carros.

Se tivéssemos mais gente olhando para o transporte público do que para viadutos.

Se tivéssemos mais gente convencida de que o que deixa uma cidade democrática é a educação e a cultura para todos - e não obras.

Se tivéssemos uma elite econômica com amor pelo lugar onde vive e desse o exemplo de cuidado.

Se tantos políticos não fizessem da cidade apenas um trampolim.

19/05/2013 - 11h26 (depois)

Fui uma vítima da Virada Cultural

Escrevi ontem aqui que a Virada Cultural mostra a São Paulo dos meus sonhos: uma cidade ocupada por pedestres, onde as ruas sejam espaço de convivência e criatividade.

Para não perder a conexão com a realidade, fui uma das vítimas de um arrastão: voltei para casa sem meu celular.

Piorando a situação, levaram meu aparelho enquanto eu caminhava no Largo do Arouche (o palco brega) ao som de Luiz Caldas. A tristeza diante da perda do celular era agravada pela terrível sonoplastia.

Seria tolice imaginar que, por causa da Virada Cultural, a cidade se convertesse num ilha de paz de civilidade --e toda uma multidão aglomerada se comportasse sem nenhuma transgressão.

A regra da cidade em que vivemos é a marginalidade e a violência. Por isso, vivemos trancados, pretensamente protegidos por muros e cercas elétricas

Está aí exatamente o nosso maior desafio: ocupar as ruas, com todos o seus riscos, para que não sejam o território do medo. Trazer multidões para as ruas é um misto de ousadia e ato de simbólico de resistência contra a barbárie.

Não podemos ficar reféns do medo. Precisamos exigir não só cada vez mais segurança,.

Mas sobretudo mais educação e cultura - aqui está a verdadeira segurança nas ruas.

Perdi o celular. Mas como confio no poder da educação, não perdi a esperança.

15.5.13

Poesia


Lua

Queria poder te amar
em noites de lua.

Só para ouvir-te, graciosa,
dizendo: “Sou tua”.

Queria que, vendo o luar,
vibrasses, contente,

fazendo com que nosso amor
fosse bem diferente.

Sonhar com a lua que brilha,
tão cheia no céu,

sonhar com a lua que insiste
em brilhar sem seu véu.

Viver sem o teu grande amor
é pura ilusão;

querer-te é nutrir-me de vida,
é grande paixão.

Sofrer, pois qual o sofrimento,
também há calor;

procurando em todo o vazio,
razões para o amor.

Amor que não sei se cultivo,
sincero, afinal,

querendo alguém que me ame,
que seja “a tal”.

Queria sonhar com teus beijos,
teus beijos no olhar,

abraços, sorrisos, na fonte,
à luz do luar.




Queria amar-te de novo,
na vida e na rua,

só para te ouvir, tão singela,
dizendo:




“Sou tua”.





fps, 31/07/96

9.5.13

Prosa

Desde o início as regras foram claras: Só sexo.

Sem compromisso.

E com o tempo continuou assim, até que o coração começou a apertar a cada saída.

Sentiu medo, saiu daquela vida; e a regra para eles então mudou.

Radicalmente: só sexo sem compromisso.

Mas algo faltava, não se sentia bem, e pensou, repensou.

Concluiu que alguma coisa estava errada; voltou, e aquietou-se.

E aceitou de bom grado a nova diretriz: sexo, e compromisso.

Mas o tempo, cidadão antigo, traz com ele a mesmice, a dureza da vida.

E aos poucos, ficou clara a imposição: Só compromisso.

Sem sexo.

Ao fim, se enchem um do outro, e caem fora do que seria o desastre anunciado.

E a realidade entre os antigos amantes se interpõe, num misto de alívio e decepção.

Sós.

Sem compromisso.

Nem sexo.

fps, 26/03/2012