31.10.12

Prosa: Halloween à brasileira

 
lobi
 

- Sacanagem, meu, p... sacanagem.

Na conversa entre o adolescente e a mãe, naquela casa nacionalista até o talo, o filho do socialista professor de História expressou sua indignação da maneira mais espontânea que encontrou.
 
E, enquanto a boa mãe olhava a cara desolada do garoto, e pensava com seus botões para não falar alguma besteira contra o pai, o fedelho que saiu das fraldas e ganhou voz continuava sua lamúria:
 
- Cara, meu pai é "mó" chato ... imagina só, eu estava querendo ir aquela festa de Halloween, aquela do inglês, sabe, tio ...
 
"Sei ... aquela que seu pai demorou a aceitar, e que só deixou você entrar porque eu paguei ..."
 
- ... aí ele veio com um tal de "ralouim, só se for com macaxeira", me falou para deixar de ser bobo e ficar em casa, que essa festa é do imperialismo estrangeiro e que ... olha só o que ele disse ...
 
"Sim, eu ouvi lá da cozinha: NENHUM FILHO MEU, DE UM PAI TÃO REVOLUCIONÁRIO COMO EU, VAI PASSAR POR UMA FESTA TÃO CAPITALISTA COMO ESSA, MUITO MENOS ..."
 
- ... "muito menos usar fantasia de imperialista americano, e desmerecer nossa cultura ri-QUI-SSI-ma, com lendas tão bonitas como o Saci, o Curupira e o Boitatá!!!"
 
No fundo, ela sabia que ele ia pedir a autorização para ir à festa, e fantasiado; aliás, foi isso mesmo que aconteceu, com direito a cara de choro e etecetera e tal. Mas era complicado: o marido era atencioso, muito "Che" para o gosto dos sogros mas, ainda assim, cumpridor de suas obrigações, e, acima de tudo, um bom pai.
 
Súbito, a lâmpada acendeu. Na cabeça da mãe, que teve uma ideia.
 
- Vem cá, filho, me deixa resolver o seu problema ...
 
...
 
Chega na festa o garoto, um pouco atrasado.
 
Está com as roupas do avesso, todo desgrenhado, um monte de pelos saindo do peito, e pó-de-arroz no rosto até dizer chega. Um talho aparente atravessa o pescoço, e há sete nós na sua camisa; e a roupa toda está imunda, de tanta poeira.
 
Os amigos o fitam. Todos tem medo de perguntar o que foi que aconteceu, se foi roubo ou surra ou o quê.
 
Até que o mais gaiato se arrisca:
 
- Mas que …
 
- Fantasia.
 
- Zumbi?
 
- Lobisomem, lenda do Brasil. Maldito, toda noite de lua cheia vai para um cemitério. Rola no chão, depois vira bicho. Tem que passar por sete cemitérios, sete igrejas e sete vilas durante a noite, senão fica assim para sempre.
 
E, antes que pudessem dar risada do "visual" esquisitíssimo de "Ralouim", explicou:
 
- E não me enche, que teu pai não é professor de História …
 
fps, 31/10, 14:33

28.10.12

É o dia-a-dia, estúpido!

Comecei a escrever essas linhas enquanto os resultados das eleições estavam sendo apurados, a “hora da verdade”, em que ficaram evidentes frutos das apostas dos partidos políticos para 2012.

Com uns chorando, outros rindo, outros tantos sérios em demasia.

E alguns, principalmente nas redações de certas revistas e jornais Brasil afora, se remoendo no próprio  ódio.

Talvez porque desejassem um milagre, a existência de um eleitor que, tomado de fúria patriótica, tivesse o “bom senso” e o “civismo” de expurgar os antiéticos e supostos corruptos do templo sagrado do Estado brasileiro. e iniciar um tempo em que o mínimo ético seria a base para todas as escolhas políticas do povo brasileiro, dali por diante.

Como se eleição, no frigir dos ovos, não fosse uma escolha entre modelos administrativos, que mexem com o cotidiano de uma população quee precisa de saúde, educação, segurança, serviços públicos de qualidade; e que determina suas escolhas baseadas, principalmente, na percepção de que suas vidas estão melhorando, ou não.

Não é por um mundo feito de hipóteses que as eleições se decidem, tampouco por pensamentos filosóficos que o cidadão médio dificilmente entende.

Mas por um fator que faz toda a diferença para o cidadão comum: a REALIDADE.

Que não pense o PT que Haddad venceu as eleições somente por seus méritos e os de sua excelente propaganda: deve-se colocar na conta a rejeição recorde de Serra e de seu pupilo Kassab, aquele que transformou São Paulo num laboratório do inferno, misturando o higienismo típico do janismo classe-média com boas práticas de urbanismo que “não foram bem entendidas” pelo eleitorado paulistano.

Serra levou sob si o fardo de Kassab, e pensou que somente com apelos à ética poderia levar o eleitorado a esquecer dos problemas da grande metrópole e votar no “mais preparado” simplesmente porque, do outro lado, a turma do mensalão estava lá.

E o mensalão, quem diria, tornou-se fardo pequeno, diante da sensação de caos instalada por um prefeito que quis ser mais um “gerentão” da cidade do que um administrador das demandas do povo de São Paulo

O Partido dos Trabalhadores tem um desafio, a partir de agora: mostrar que pode administrar São Paulo para todos, sem exceção, ainda que sob a saraivada de críticas que a classe média e a mídia conservadora, desde já, vão fazer contra o “ministro do ENEM” e a “curriola mensaleira”.

E isso não é fácil, pois todo mundo quer transformar essa cidade em laboratório de políticas que servem para uma realidade ideal, mas talvez não funcionem na maior cidade do hemisfério Sul, de tantas tribos urbanas, às vezes inconciliáveis, nos seus interesses e aspirações.

Como confirmam as diferenças de votação entre os Jardins (77,67% para Serra) e Parelheiros (83,49 para Haddad), que mostram as zonas de conflito com as quais o próximo prefeito terá que lidar.

Dará certo?

Não sei, é cedo para dizer.

Mas uma coisa é certa: o dia-a-dia, sempre ele, fará a diferença para o sucesso da mais nova, e talvez mais difícil, empreitada na qual o PT se meteu.

10.10.12

Conselhos aos que exultam com a suposta justiça do mensalão …

rawr

Esperem a ressaca.

Esperem o pós-julgamento, no qual se pedirá a inconstitucionalidade de várias leis aprovadas no governo Lula, muitas das quais relevantes para o Brasil, como a reforma da Previdência.

Esperem a reação da mesma imprensa que louva Joaquim Barbosa quando começar o julgamento do mensalão tucano, origem do valerioduto que depois abasteceu o PT.

Esperem, principalmente, quando o STF começar a pisar nos calos da imprensa, e da classe média que a sustenta, forçando interpretações legais que sejam a favor de redistribuição de direitos, e justiça social por lei.

Coisa que, aliás, é defendida pelo "negão de toga" Joaquim Barbosa, um exemplo por lembrar, no meio do sucesso, que ele é efêmero.

Ou pelo Lewandowski, que ousa explicar e reiterar princípios do Direito a uma turba que, bem lá no fundo, só deseja vingança.

Contra o quê, não sei.

Esperem o chefe da quadrilha ser chamado.

Se é que ele será, um dia, já que nunca se sabe quanto de gritaria será necessário para insinuar coisas sobre o quê, o porquê, ou o sei-lá-mais-o-quê

Mas esperem, principalmente, alguns anos, pelo menos os vinte que separam o “impeachment” do mensalão petista, para entender se nossos tempos foram realmente o início de uma mudança nos costumes brasileiros.

Ou se, o mais provável, foi só mais uma nuvem passageira, uma chuva de verão.

Em todo caso, há males que vem para muito bem.

Afinal, sem a ruína de Dirceu e cia., não teríamos Dilma, talvez nem Haddad …